20120402
Barcelona, Espanha
Passou a verde e a madura. O apetite surgiu com o provar de outras palavras que, num turbilhão, lhe subiram à cabeça caída. Tinha começado como um formigueirozinho de abstinência - estava limpo há vários dias - e logo cresceu para uma castanhola de dentadas, daquelas que nem mastigam e castigam, nos anos delicados que se aproximam, um estômago surpreendido.
Esquecera por completo aquele branco agudo que acamava arabescos em filas indianas. Amoroso, lambeu-lhe os cantos, um a um, com um afago. Com doçura, massajou-lhe a crescente sucessão de lombas, como se esperasse um filho.
Então, fingindo adormecer, deixou o livro deslizar pelo colo abaixo, contornar com volúpia a curva roliça do sofá, aninhar-se sob a camilha. Livre do peso da literatura, começou a escrever, ele próprio, na manta de carneira que lhe cobria as pernas esticadas, o que de mais profundo lhe passava pela cabeça. As escritas mergulhavam no pêlo espesso, rasgando os redemoinhos felpudos em segredo, para logo voltarem à tona num resfolegar de Hás! e Hús!, deixando ideias soltas espumarem-se ao acaso.
A pouco e pouco as pernas foram-se cobrindo de um bando de coisas sem nexo, que por vezes - céus! - transbordavam pelos estofos fora indo bater com força nas fronhas bordadas.
Felizmente, algo lá no alto fez rebentar um vaso de tinta negra, espalhando um manto de quietude e recato sobre todas aquelas vergonhas. A maravilhosa mancha do inesperado, pacificou, enfim, as populações de gatafunhos que escorriam de algo seco, duramente torcido.
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2 comentários:
Onde fica essa foto acima? Com os dizeres? Seria Barcelona?
Sim, é Barcelona, na Sagrada Família.
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