Funchal, Madeira, Portugal
No meio da ponte, debruçado no peitoril, um tolo rilhava um talo de aipo. Os sucos fortes do legume faziam-no salivar em fio sobre as águas. Ele gostava de ir ali pescar.
O aroma forte do aipo começou a fazer efeito. Um pequeno achigã aproximou-se da queda de baba e rapidamente iniciou a subida. Em cada torção da espinha, em cada golpe de barbatana, escamava um pouco mais a pele luzidia e ficava mais perto da fonte. Num último impulso, esgotado e de olhos em punho, içou-se para a poça calma que se tinha formado entre os dentes e o lábio inferior descaído. Deu duas voltas à enseada, para descontrair, e começou a ratar os restos de aipo entranhados nas gengivas, já a formar barreira. Ali perto, uma angula entrincheirada numa cavidade sisuda esperava o depósito do que andava suspenso. Nas zonas mais batidas pelo catarro as percebes agarravam-se às aftas, debicando a carne viva. A língua passava em vagas por um céu da boca forrado a limos.
Satisfeito, o tolo fechou a boca, guardou o resto do talo no bolso das esferográficas e instruiu um palito na tarefa de recolher os despojos do dia. Aquele era mesmo o melhor sítio, bem no meio da ponte, onde as águas são mais profundas e o peixe miúdo mais vivo.