20160922

Londres, Inglaterra

Tenho um colega meu arrumado atrás de uns livros, onde antes tinha uma pessoa amiga que deixei de seguir. Na prateleira de cima está uma caixa de rapaziada antiga que nunca mais usei e cheira a cedro. Um dia destes arranjei para lá umas cruzetas muito jeitosas, almofadadas a pot-pourri, onde vou deixando penduradas as situações que já não me apetece usar. Quando as afasto para chegar ao fundo, soltam belos tons de alfazema. Sempre que vou à gaveta das miudezas ela chia de surpresa, como se não me visse há muito tempo, e faz-se difícil de abrir trilhando uma peúga na ferragem.
O pó está a ganhar terreno. Começou por tomar as terras altas, onde a procissão não passa, e já se lança agora em diáfanas cascatas sobre os frisos laminados, quando suspiro. Tem caído também sobre uma camisola velha, cheia de borboto, que se está a tornar num excelente agasalho de lã.
Temo que, à custa de tanto fechar as portas para resguardar as coisas, o sombrio, o bafiento, enfim, o soturno se lá tenha instalado. É um inquilino que não faz muita companhia, mas também não incomoda. Acabo por me habituar a ele.

20160908

Phnom Bokor, Cambodja

"Está gente!", ouviu-se do interior. Mas ninguém batia à porta. "Gente!", repetiu. De novo, nada solicitado. Mesmo assim a porta abriu-se, generosa, e encontrou o pátio vazio. E um pátio enorme, registe-se. Daqueles onde tanto se pode encontrar um grupo de caminhantes felizes a pousar a fadiga, como uma família numerosa a jogar cumplicidades. Um espaço amplo de ar, puro de intenções, bem marcado por emoções cáusticas e devotas, horas de apatia e segundos sentidos. Curiosamente, como quando somos pequenos e tudo parece descomunal, relação que se inverte com o crescimento, também aquele pátio parecia agora bem menor, assim cheio de nada. Quase apertado. Mais oco que vazio, até. Viam-se com nitidez os seus limites, onde antes o olhar se perdia... É melhor varrer as folhas!

20160903

Arouca, Portugal

É no cimo das árvores, nos ramos mais altos, que se sente o mover da terra; que se antecipa o curvar do horizonte. Quem do solo olha para cima, para as copas majestosas, assombra-se ante o vagar com que se movem. Como gigantes que são, desprezam o tempo miudinho. Encaram-nos sem gravidade. E os homens lá trepam às árvores para colher esse tempo. Apressados, fazem-no quando ainda não estão maduros; e quando ficam, deixam de crer.
O tolo que trepa ao cesto da gávea, sente-se como um barão. As ramagens lentas fustigam o madeiro deixando na língua uma poalha de esporos. Da boca aberta rebentam coisas novas. Gota a gota as fontes suadas regam as raízes que o sustentam levando-o mais alto. A certa altura, o chão deixa de fazer sentido e torna-se subterrâneo. A fusão das copas define a linha de terra e respira-se daí para cima, com o céu mais achegado.