20120119

Barcelona, Espanha - Não aguento mais! Vou para onde me esperam. Acerto as minhas contas e vou. Estou saturada, farta desta vida. Não estou aqui a fazer nada. Só quero deixar as contas pagas. Amanhã ainda estou viva, é a despedida. Isto já anda há muitos anos na minha cabeça. Agora tudo acabou, para mim. Só quero paz, mais nada. Amanhã posso estar melhor, não sei. Doente, doente, não estou, morreu-se-me é a alma. Até já comprei o remédio. A minha cabeça não está cá, ou melhor, só está para me levar a desaparecer. Estou assim há muito. Até saí de casa para ver se a ideia me passa. “Vai para trás, vai para casa.”, diz-me a minha cabeça, “Faz aquilo que tu queres e vai desta para melhor.”. Não tenho medo de nada. Não quero ver ninguém, falar com ninguém. Não vale a pena. Mas também não quero ir para casa, se não, meto aquilo à boca. Pensei que isto ia melhorar, mas não. Os que andam à minha volta só querem o que é meu; e o que é meu é a minha vida. Cada um tem é que viver a sua, o melhor que puder, sem... Estou?... Estou?...
S21, Phnom Penh, Cambodja Entro desperto, na cidade dormitório; uma de muitas, daquele país encravado entre tantos outros. Enquanto caminho pela rua sonâmbula, esfrego os olhos às inúmeras artérias que a cortam aos pedaços. O passeio que piso, já aguentou tantos mil passos e intenções de caminho, que se tornou, ele próprio, numa espécie de metrópole. O emaranhado de possibilidades esgota o mapa que se dobra na minha cabeça. Refugio-me numa casa - abrindo um portão, cruzando um caminho, empurrando sorrateiramente a porta com um dedo esticado - em busca de unidade; mas a casa tem degraus, carrocéis de degraus a ondular entre os pisos. E quadros. As paredes, já delas tantas, mascaram-se de outros lados, surreais, e fingem ter janelas impressionantes. Não consigo ver uma só coisa. Tudo se desdobra em demasiadas hipóteses, para mal das minhas indecisões. É então que, já cansado, descubro uma única pessoa, sentada à mesa; um indivíduo com, parece-me distinguir, uma personalidade vincada. Aliviado, peço-lhe uma opinião concreta, mas quando ele começa a falar, não consigo ouvir nada, tal é a algazarra da gente que, dele, enche o enorme salão.