20170711

Londres, Inglaterra

O sistema está mal isolado, deixa passar picos de desconforto eléctrico para o interior. O corpo central do hidro-extractor desata em revoluções concêntricas no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio, mas o tempo avança mesmo assim. A cabeça, que é de ideias fixas, não acompanha o torvelinho emocional e começa a soltar-se do corpo. O acufeno pigarreia. A fuga insistente de uma pinga grossa ameaça tornar-se rude. Todos os olhares são furtivos e reprimem algo de refluxo. Tudo se fecha numa porta comum onde um mecanismo lasso impede o estrondo.
Está tudo bem.

20170707

Regoufe, Portugal

Uma formiga passa a correr sobre a fotografia de uma pegada gritando todo o caminho. Uma ameixa vermelha deixa-se cair sobre o padrão de relva da toalha da mesa, esborrachando-se aparatosamente. A águia em cio castra-se ao acasalar com o drone. Uma lágrima furta-se ao corpo sentindo que este deixa de respirar. A pia, alimentada a nascente, sente-se infinita. A língua alcoólatra gargareja água como quem faz uma infusão. Numa perspectiva cósmica, o girassol é um dos seres mais estáticos do planeta. A introspecção é uma disciplina frágil.

20170705

Arouca, Portugal

Convescote! O que aflora à ponta da língua esconde mesmo um icebergue palavroso... Ando eu há anos a contentar-me com migalhas de piquenique, e eis que se estende à minha frente um polido convescote. Um convescote, caramba!
Tudo se desenrola languidamente sob a proteção de um choupo. Observo um grupo diáfano que dança uma sardana à volta do tronco. Preparada na propriedade, a sidra ainda fermenta nos cestos dando um ar etílico ao prado. Cambaleio inebriado pelos aromas de compotas a derreterem em mornas fatias de pão. E as toalhas? Ah, meu Deus, que padrões delicados acamam os seus vincos de algodão na gentileza da relva. Tento beliscar-me mas acabo a segurar um canapé de trufa entre o polegar e o indicador. Um alaúde mordisca de longe, que é onde os alaúdes virtuosos costumam estar. Já descalço, ajoelho e reclino-me sobre o lado esquerdo, mergulhado em cerejas. Sublime, agora, era imortalizarem-me num retrato.