20090712

Sardenha, Itália Numa das suas típicas caminhadas pós-almoço domingueiro o funcionário público teve uma epifania, mais literária que religiosa, que lhe provocou um calafrio. Assim sem mais nem menos teve consciência de que cada um dos seus passos era mecanicamente repetido, simétrica e alternadamente. O mesmo movimento passo após passo, passeio após passeio, mantinha-o, á vários anos, numa monótona linha recta de pensamento. Chorou convulsivamente durante sete passos mais e, antes de repetir o oitavo, tomou a decisão que iria mudar por completo a sua vida: a partir do seu próximo passo iria ser a pessoa mais assimétrica a caminhar à face da terra; todo ele seria um modelo de desequilíbrio. Daí em diante só caminhava apoiado em partes do corpo alternadas, pé, joelho, orelha, omoplata, e por aí em diante. E não se ficou pelo andar. Começou a nadar contra a corrente, a comer com os olhos, a falar pelos cotovelos e a pensar com a barriga. Sentia-se completamente diferente de tudo e de todos. Feliz. Inexplicavelmente, quando chegou à repartição onde trabalhava, vestido com uma salada de arenque e tampas de corrector e se sentou no arquivo morto para começar o seu dia a enrolar fita-cola de dupla face, o único comentário que ouviu dos seus colegas foi devastador: "És sempre o mesmo!"

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