20100917
Ilhas Cies, Galiza, Espanha
Há qualquer coisa de assustador num arbusto. Numa moita há, quando muito, uma coisa qualquer. Agora num bueiro sombrio, isso já é outra história e começa assim: “O último raio de sol penetrava a sarjeta, morno e indiferente à sua condição estéril.” Os estudiosos que seguem, na última década, a migração rolada do arbusto seco norte-americano, começam a suspeitar que isso não os está a levar a lado nenhum, que estão a ser ludibriados pela astuciosa carcaça. No seu desespero percebe-se o quanto de sofrimento humano há na pose petrificada de um galho. À flor da pele abrem-se nervuras e fecham-se as larvas que nos vão ratando aos poucos. É por isso que a água das jarras muda; pelo medo de envelhecer.
20100908
Ilha da Boa Vista, Cabo Verde
Ainda há gente séria. Gente a quem a gargalhada forra as entranhas e, quando solta, sopra as brasas frias das almas que arrepanha. São aqueles poucos que, pela rectidão da sua postura pantomineira, poupam as vidas das cidades condenadas.
A gente séria assim, podemos-lhe confiar, se não a vida, pelo menos o almoço, já servido na boa faiança, assim como a carteira e os óculos, esquecidos na mesa, enquanto saímos apressadamente para atender uma chamada.
A fazer fé num estudo de cientistas de uma universidade obrigatoriamente norte-americana, tal estado de graça é a imagem, esculpida em Carrara, de quem tem como ofício algo que não suporta. Se queremos ver alguém mortificado é olhar o pateta que enfunou o coração ao abraçar uma carreira a seu gosto; vê-lo-emos arrastar esse devaneio pela vida fora, qual pano do pó pendurado no bolso de trás, limpando com ele toda a baba dos batráquios intragáveis que, prazenteiros, se vão alinhando à sua frente, até que aquilo para o que nasceu, o seu dom-de-musa, mirra entre as almofadas do sofá.
O segredo está, permito-me dizê-lo aqui numa perspectiva fundamentalmente altruísta, na satisfação que é tomar e amarrar a profissão mais abominável a uma parelha de cavalos Frísios e galopar assim pelo empedrado da vida, rindo seriamente a cada solavanco. O ponto será picado sem causar qualquer tipo de habituação e podemos guardar por debaixo daquela tábua solta do soalho, tudo aquilo que nos vai fazer sorrir.
Quem fraquejar e se tentar a olhar para trás, arrisca-se a ficar transformado numa figura azeda.
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