20121006


Cercal do Alentejo, Portugal

É de manhã. El-rei caminha, em passo quedo, na direção do torreão mais próximo. Tinha acordado com vontade de arejar a pluma. Seguia só, acompanhado pelo Oficial de Toponímia, o Conselheiro de Frivolidades, três aias disfarçadas de valetes e um moço de estrebaria com gadanha até aos dentes.
Do alto do torreão avistava-se todo o reino, mas era mais certo ainda que de todo o reino se via claramente o torreão empinado. As visitas miradoiras do rei raramente passavam despercebidas à plebe, que mergulhava nas suas tocas e carvalhos ocos ao primeiro vislumbre da pluma real.
- Nunca há vivalma, em terra conquistada. - desabafou o rei, pesaroso - É, no entanto, um belo ver.
(“Belver”, tomou nota o Oficial de Toponímia na Real Agenda, “Toda a zona da cordilheira sul até ao bosque das acácias.”)
- Olha acolá, aquela picoteira do monte tão graciosa. E mais além, onde ajoelhamos a S. José, nas matas, depois de termos tratado a peito os valhascos que açoitavam as mouriscas; bem que lhes chegamos a póvoa às meadas. - açorriou o rei já mais bem disposto. - Mais ao sul foi onde cruzamos a água travessa, que nos custou um urro de alazão; lembro-me do Barba Torta, de chança em punho como um terrujo. “Vai a monte”, disse-lhe eu, “Vai a monte, alpalhão”. E tais foram os foros de arrão do vilão que o pusemos em debanda, até ser só um cabeço a sair da vide. - gracejou.
O Oficial de Toponímia não tinha mãos a medir. Folheava a Real Agenda como um eunuco a palma, em dia quente: Picoteira do Monte, Graciosa, S. José das Matas, Valhascos, Mouriscas,...
- No entanto - arrefeceu el-rei - daqui, já nada me chama. Para onde quer que me vire, os meus rodeios são-me sempre banais, as novas conquistas sabem a visitas de tias velhas, tudo me é tão repetido como o ser eu mesmo.
Num misto de enfado e fanfarronice, el-rei O Cognominador, empunhou o seu montante afiado e, Zás!, armou-se cavaleiro. Por falta de cuidado, trespassou-se do trapézio ao oblíquo, o que não deixa de ser uma proeza digna de nota. (“Passamontantes”, apressou-se a escrever o Oficial de Toponímia.)

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