Matosinhos, Portugal
Fui surpreendido por um busto da minha pessoa, erigido num recanto envergonhado de um parque. As linhas do monólito que lhe servia de base eram simplórias, a placa comemorativa, de um bronze-verdete banal e no topo, como ouriço estatelado a revelar a castanha, a minha cabeça, assente numa somítica fatia de ombros.
Mas que raio de tolices me atribuíram, para ser eu empalado desta forma tão soturna? É, com toda a certeza, um equívoco dos mais deploráveis, sendo eu um escriturário de aprovisionamento esforçado por evitar o que quer que seja que revele a minha presença nessa categoria transparente. E nem quero falar na forma ridícula como esse simulacro de escultor me modelou um pescoço praticamente inexistente, colocando o meu duplo queixo com ar de lava arrefecida no socalco.
Mas pior, muito pior do que tudo isto, insultuoso até, considero o facto de não ter sido convidado para o que deve ter sido uma inauguração primorosa, plena de filarmonias, senhoras emocionadas e finos cortes de alfaiataria. O meu próprio busto!… Numa efeméride há palavras que devem ser ditas pelo próprio, figuras mencionadas, agradecimentos e humildades bem apontadas... velhacos!
A custo afastei as trepadeiras que cobriam parte da placa gravada, na tentativa de confirmar o rigor dos dados que a corja de energúmenos atribuiu à minha existência. Nome, correto (dispensava o cursivo arcaico, enfim...), "nascido em", indiscutível, "falecido em ", idem; o serifado em caixa alta será talvez um pouco imperial, para um mero busto de jardim. Agora, convenhamos, aquelas palavrinhas de homenagem, fúnebres e escolhidas a dedo para florear o papel que me foi atribuído desempenhar nesta vida... que desilusão, que desalento! Nem as li uma segunda vez, para não duplicar a minha fúria. Virei-me as costas e jurei que, enquanto fosse vivo, nunca mais voltaria a encarar este recanto atroz.
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