Pico Ruivo, Madeira, Portugal
A moldava muda gritou um sinal da cruz ao ver o cartaz esvair-se pela rua fora. Violentamente arrancado pelos cantos, ainda se lia no gatafunho voador: "Desistam, o fim do mundo está demasiado próximo!". Tal manifesto, empunhado por um redemoinho de vento zombeteiro, deixava para trás um rasto de gente irritada. Gente que sempre desprezara tranquilamente os 'Arrependam-se!' mas que agora se sentia estranhamente incomodada com este 'Desistam'. Até o empregado de balcão da confeitaria, que estava cá fora a varejar o toldo empoçado com um toco de vassoura, ficou de tal modo furioso que nem se reconheceu (pelo reflexo na montra pensou que estava um tipo rancoroso a furar o toldo com uma caçadeira). Que desplante o daquele panfleto! Assumir a fraqueza humana assim, sem cerimónias. Imprimir-se como um arauto do comodismo das gentes; logo ele, ou melhor, aquilo, que não é mais do que de um papel de fraca qualidade, um reciclado de pastas conspurcadas, um purgatório de almas mortas sem valor...
Mas foi como se o gume da folha voadora tivesse deixado cortes finos em todos os dedos de todas aquelas pessoas. Uma dolorosa ardência, uma incomodativa persistência, moía fina e espicaçava o orgulho. Enquanto doía, por teimosia, ninguém desistiu.
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