20090911

Península de Otago, Nova Zelândia (foto Rute Lucas) A diminuta varanda triangular não era um local particularmente agradável. Baixa, excrescente de uma sobreloja, roçava o caótico da vida pública. Resignada a uma sombra de vizinhanças altivas, era depósito de beatas e aerossóis peganhentos. Em vão se procurava uma nesga de vista. Todo e qualquer transeunte juraria a pés juntos não existir ali mais do que uma fenda na fachada lisa, tal era a insignificância da sua dimensão. Dir-se-ia uma cilada retorcida de um arquitecto maldoso. No seu parapeito carcomido nunca se debruçou uma begónia ou sardinheira. Mesmo a lâmpada amarelenta, ignorada pelas falenas, fundiu-se. Local solitário e indiferente, esta varanda irreal era o espaço mais cheio de todo o piso vazio. Magnífico altar à relatividade das coisas, testemunhava em silêncio as mais díspares exalações humanas. Transpor a caixilharia anodizada e assomar-se ao seu peitoril era a mais libertária das emoções, tão esmagadas que estavam entre a loja e o primeiro piso. A exposição ao mundo livre, gerava arrepios de possibilidades e angústias de lucidez. A sós, era palco de solilóquios arrebatadores, juras e longas inspirações de exaustão. Menos sós eram as comunhões de ideais, as tramas e os risos. Vagas de emoções batiam-se naquela escarpa. Abnegada e aberta, a imensa varanda insuflava, em correntes, todo o ar que ali se respirava. Indiferentes a tudo, os cabelos esvoaçavam.

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