20101126
Jerash, Jordânia
O cabelo cresce, encolhendo os ombros. Isto é especialmente notório na farta cabeleira de Alexandre Virgílio, pensador de bom trato e homem de fino recorte. No entanto, ultimamente, as ideias brilhantes não surgem com a desenvoltura habitual. Sente-as presas, como que entarameladas na trunfa densa que o adorna. Ponderado, toma uma decisão, e um assento, no barbeiro. A cada golpe de tesoura a cabeça fica-lhe mais leve. No chão de Travertino Romano, pousam tufos encaracolados onde definham, em pena leve, grupos de ideias subversivas. Alexandre Virgílio passou a mão rente ao escovilhão aparado e aguardou uma ideia. Por momentos pareceu-lhe que... mas não; era um mero arrepio de frio a rodopiar-lhe a nuca, criando um remoinho. Franziu então as sobrancelhas de um modo extremamente inteligente, mas só arranjou que um chorrilho de pontas espigadas lhe escorregasse pela cana do nariz abaixo, colando-se desagradavelmente ao lábio inferior. Nem um pensamento iluminado, nem sequer uma tirada espirituosa, para poder abandonar o salão em beleza. Agastado, saiu a cuspir cabelos.
O barbeiro varreu cuidadosamente cada gaforina solitária, cada melena, cada bola de pelo para um saquinho sedoso. Nos fundos da barbearia, mantinha uma oficina de enchimento de almofadas e entrançado de perucas, que comercializava, com grande sucesso, sob o chamariz de serem poderosos indutores de ideias inteligentíssimas.
Desengane-se quem aspira pela permanente. O barbeiro, frio e cortante, irá arrancar pela raiz cada uma das ideias que temos de nós próprios, deixar-nos sem referências, lisos e deslumbrados pelo inevitável, para depois nos abandonar na habituação das amostras grátis.
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