20101103

Petra, Jordânia Os olhos, antes sobranceiros, cravaram-se bem fundo na polpa do texto. E, nada. Ou melhor, via-se algo de caravana beduína fustigada pelo siroco, ou, melhor ainda, um emaranhado de algas a ondular pelo jornal fora. Já na mercearia, o contra-rótulo do vinho exibira apenas uma penugem escassa e irregular, ocultando a leitura das castas. Quando abria um livro, era comum esvoaçar um novelo de estorninhos, ou qualquer coisa do género. Até a marca do carro era agora um molusco brilhante. - Que falta de caracter. - gracejou, pouco à-vontade, olhando em volta. O restaurante à sua frente chamava-se uma espécie de cardume de peixes lanzudos a rodopiar. Entrou e fechou-se no menu. Nas especialidades da casa destacavam-se as filas de dominós hesitantes, uma ou outra marca de travagem brusca, esquissos pobres de Seurat e insistentes cagadelas de percevejo. Saiu a correr, deixando uma nota de vários algodões doces, na mesa. As palavras fugiam-lhe, as dissimuladas. Quanto mais se chegava ao rigor dos caracteres, mais ardilosas se tornavam as suas formas. Troçavam dele nas suas costas, sabia-o agora. Nunca mais viu uma letra. Ás vezes, quando se afastava delas, vencido, voltava-se de uma guinada e parecia-lhe ver o serifado de uma perninha itálica a desaparecer na savana.

2 comentários:

João Menéres disse...

Grande sensibilidade a sua, RUI !

Um abraço.

rui loureiro disse...

Obrigado pela simpatia, João, e pelas sempre bem-vindas visitas. @braço!