20110617
Viseu, Portugal
Aos desenquadrados
Nesta casa imaginada
que me corta em divisões
de sentir não tenho nada
de mexer, as convulsões
Ó meu rico, abençoado
(salivei no meu pregão)
deixa tocar-te no lado
que livra da culpa o pão
Olha o trapo como enfaixa
desidrata a polpa seca
da menina traça e racha
a imagem, que apodreça
Chegue cá essa indiferença
passe o cheiro a alho podre
martelada, a minha crença
escorre na fossa salobre
Salta o povo, pinga o cio
mancha a morte do diacho
sobe o sonho em desafio
queima-se a pele cá por baixo
Os olhos piscam às moças
como sal grosso nas feridas
os tachos engolem as poças
das entranhas, das bebidas
Nesta noite de orvalho
mói-se o corpo ao relento
chega o dia, fecha o talho
fecham-se os olhos ao tempo
Plantei um manjerico
bem no fundo da garganta
quando carmim vem o grito
sai da cor da esperança
Quando te roubei um beijo
já sem vida, já sem nada
vazio de todo o desejo
enterrei-te na calçada
Quantas festas deste santo
não tocaram o meu rosto
corto a cruz o seco pranto
apresento-me ao desgosto
20110612
Viseu, Portugal
Já arrasto a memória de uma cadeira há algum tempo; cansado, fico à espera da próxima esquina. São umas criaturas extraordinárias, as esquinas. Assim uma espécie de curvas, mas com carácter; e quando ornadas por um gaveto saliente, tornam-se irresistíveis. Só apetece ir lá dobrá-las, com uma forte guinada de ombros.
Para mal dos meus pecados a rua segue recta, num traço contínuo. A ansiedade foge-me para debaixo do esterno e põe-se à coca, pronta a apertar o gasganete aos pulmões. Atrapalhado, bocejo convulsivamente. À minha volta há gente a falar de costela mendinha e rolos de massa folhada, com requintes de malvadez. Sinto o desconforto de usar demasiado casaco para o abafado do dia; acarinho a intenção ousada de o despir e surpreender a roupa interior com um ou dois arrepios. Talvez mais logo.
Prossigo, resoluto. Dar passos largos é uma atitude altruísta, especialmente quando aqueles para quem os damos só conhecem o saltitar medroso ou o arrastar de uma flebite. Uma vez dei dois espirros a uma fulana sisuda; uma outra, condoí-me com o ar inerte de um velho e dei-lhe uma cabeçada. Em ambos os casos fui mal entendido.
A rua que desço é tão paralela ao centro urbano que nunca se cruza com ele. Se na praça larga, mesmo aqui ao lado, gerem-se fortunas à desgarrada, nesta periferia do quarteirão ainda se fazem atenções.
Estou numa casa de borrachas a investigar vedantes. Do outro lado do balcão um bigode farto segura um metro de madeira encastoado a cobre, condescendente com a minha morosidade.
Subitamente entra um monstro do teatro, com peça em cena e tudo, à procura de uma informação. No interior da loja, pendurada num guiché de vidro martelado, uma velha dá um grito de satisfação enquanto o bigode se franze de orgulho. Em três actos, o actor é embalsamado e posto em exposição ao lado de outras figuras célebres, já desaparecidas.
Curiosamente, esta é a única parte verdadeira da história.
Donostia, País Basco
A tale is a trap, taken solo. Once upon it, the shot must be watered down, from an old disbeliever, who faces the siren lyrics under the hood of apathy, to a newborn, the real prey of cuckoo, that hears the spell, now hollow of meaning. Harmless.
Tight stitched pages sew the minds of herds that, yet, float as a hint. A steady index finger-points the text, keeping the words in line.
A man passes by, a reader. His son's son, on one arm, his father's book, on the other. They look ever so happy, after all.
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