Preah Khan, Cambodja
Ela agarrou-me o braço com a violência de quem se assusta ao ver um porco morto, no mato. Partilhei a emoção, deixando a carne ceder às suas unhas finas.
Tínhamos acabado de atravessar a estrada deserta que cruza o bosque, e já aí algo de curioso tinha acontecido. Um daqueles instantes do diabo, como se costuma dizer. Ao sair da frescura da sombra para o bafo quente do alcatrão, uma espiga de feno agarrou-se-me à meia, picando a canela e obrigando-me a uma acrobática sapatada irlandesa. Esta esquiva, tirou-me da trajetória de uma vespa irritada, indo o seu ferrão suicida cravar-se no sobrolho da minha companheira, que rodopiou 3 vezes, pedindo água. O destemido insecto não aguentou tal carrossel, rasgando-se-lhe o ventre e indo morrer longe.
Tudo isto se passou antes de sabermos que estava um porco morto no mato, coisa bem mais curiosa do que esta.
Soltando o braço, deixei-a a olhar em volta, não fosse um parente vivo aparecer a reclamar o cadáver, e fui-me certificar de duas coisas: se era mesmo um porco e, nesse caso, se estaria efetivamente morto. Ainda coloquei a hipótese de ser um corpo humano, mas nenhum grau de decomposição o tornaria assim tão porco. Era um destes belos animais, sem dúvida, e até ligeiramente malhado, com ar de quem às bolotas retribui com um suculento pernil. Parecia sorrir, expondo uma fileira impecável de dentes afiados, mas na realidade era o trabalho de limpeza de um enxame de varejas sortudas.
Documentei cada tufo de urze que lhe surgia entre pernas e cada cardo que lhe adornava o ventre. A causa de morte era-me tão desconhecida como a causa que o teria feito viver uma vida de engorda e abate. Como estava deitado de lado tinha duas pernas hirtas no ar, a apontar o trilho. Toquei-lhe ao de leve na pata traseira e, trufas!, esta caiu, enterrando-se na folhagem.
De imediato o porco tossiu, cuspindo moscas, e levantou-se com o mesmo sorriso prazenteiro. Educadamente fez uma vénia - o que não é nada fácil para quem não tem uma das patas traseiras - e agradeceu efusivamente o facto de o ter livrado de uma das quatro razões que o faziam ser um animal perseguido.
- Agora vou indo. - acrescentou - Ainda tenho de me livrar das outras três; só depois poderei andar descansado.
Deu meia volta, fazendo rodopiar a argola do nariz, e saiu a saltitar pelo arvoredo.
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