20130909

Falésia, Albufeira, Portugal

Das terras de Olhos d’Água erguia-se uma colossal falésia, abrupta e amarela, que só sossegava nas costas de Rocha Baixinha. Pelo caminho, este muro sem vergonha separava as areias dos pomares, as serras das dunas, as gentes das ondas. De uma falésia assim, não se pode falar sem baixar um pouco a cabeça, em respeito. Só um punhado de tolos a sobe apenas como miradouro. Quem a acompanha ao longo das suas corcovas e fendas, de coração puro e vista larga, é que vive verdadeiramente.
Sem nos afastarmos muito da narrativa, aproximamo-nos de um dos trilhos que penteia este maciço altaneiro para observar cuidadosamente o personagem que aí recupera o fôlego.
Pelo traje cingido, alvíssimo, identificamos um nobre ciclista montado num poderoso cavalo negro. O suor escorre lentamente pelos flancos metálicos da montada. Quem ousasse levantar os olhos, lá de baixo, ficaria cego com o brilho raiado de dois sóis. Um sorriso dança-lhe nos lábios secos e as narinas dilatam ao odor das alfarrobas; não tanto pela sensação de vitória como pela de comunhão.
Mais adiante, ainda fora de vista, contornando a chusma de figueiras, saltando a grade ferrugenta e logo após o aluimento da arriba, alguém se aproxima em passo corredor. É, nada mais nada menos do que uma professora a aprender estoicamente os caminhos da erosão. Resoluta, decora os relevos e disseca cada tronco seco, enquanto dá notas de dificuldade a cada inflexão de rumo. Mas a falésia, caprichosa e ciumenta, estende-lhe um ardil. Lança-lhe paisagens magníficas ao mesmo tempo que a surpreende com ramos baixos; sopra-lhe odores doces e inebriantes enquanto a rasteira com raízes espinhosas. Tudo isto a professora assimila e resolve. Mas a luta é desigual, a falésia imensa e a criatura humana frágil.
Uma simples depressão, no terreno, uma fendazita recém-aberta engole a carne viva, torcendo o pé de apoio. Uma aguilhoada dolorosa atravessa-lhe o corpo, soltando-se pela língua num grito desmaiado. O corpo inerte rola por entre as estevas até uma poça de areia fina banhada pelo sol. Ali fica, sem sentido.
Uns instantes depois, numa semi-inconsciência, sente uma sombra a refrescar-lhe a pele e o corpo a ser içado para a estabilidade de um colo firme. O suave movimento rolado do alazão fá-la abrir os olhos. Na segurança de um abraço forte, a cabeça pousada no ombro do ciclista, a professora vê a falésia derrotada a ficar para trás, fugindo dos dois, numa velocidade furiosa.

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