20130904

Funchal, Madeira, Portugal

O carreiro de formigas seguia ordeiro, como uma lombriga preguiçosa. Uma fila para lá, uma fila para cá, aqui e ali uma cerimoniosa marrada, enfim, tudo o que uma sociedade funcional e acomodada poderia desejar. Nunca faltavam belas migalhas a fazer vergar os costados das laboriosas. Que contentes insetos, que enorme felicidade enchia o peito destes seres insignificantes.
De vez em quando, um galho em forquilha caía de um carvalho próximo, entroncando o trilho; outras vezes, um seixo liso e intransponível testava a progressão do carreiro. E houve aquela vez - assustadora! - em que se depararam com uma duna de cal viva quando tentavam subir ao muro, pela tangerineira. Em momentos como estes, as formigas, tenazes, enchiam-se de submissão, baixavam ainda mais a cabeça e passavam ao largo do problema. Era uma vida perfeita, admirável.
Um dia, alguém com uma mentalidade infantil, alguém cruel e galhofeiro, pisou deliberadamente e com grande violência, o meio do carreiro. Duas fileiras destes belos seres foram imediatamente consumidas pela pressão, numa área correspondente a uma sola. Nas imediações, num perímetro de cerca de sete centímetros, voaram corpos aos pedaços, atingidos pela onda de gravilha. Daí em diante, e ao redor, foi o caos total. A compostura, a ordem e a beleza da simplicidade deram lugar ao aleatório, o que, como todos sabemos, conduz ao fim da civilização. As filas de formigas entraram em movimentos de enxame, induzindo o pânico em esquema de pirâmide. Rapidamente, o que era antes uma sociedade ignorada, de tão enfadonha, passou a ser referenciada como vergonhosa, por uns, e repentinamente apetitosa, por outros.
Enquanto o pé ali ficou, ameaçador, o comportamento destas formigas, que sempre tinham evitado o confronto com grande sucesso, foi o pânico organizado, a abnegação como cartilha e o lamuriar pelos cantos. Esta nova postura inflamou pelo carreiro de tal maneira que até as formigas de longe, ignorantes da situação esmagadora, passaram a comportar-se como ratos.
E, afinal de contas, era tão fácil terem trepado pela perna acima, em fila indiana, e quebrado o sujeito com irritantes comichões.

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