20110505

Beng Mealea, Cambodja Passivo como era, o sujeito reconheceu o trote; o peito ultrapassava a passada. Conhecendo-se como conhecia, sabia que a cabeça sempre fora de ir mais à frente. À simetria de eixo vertical, que lhe opunha dois braços e duas pernas, sobrepunha-se um corte transversal que, pelo pescoço, tornava cabeça e corpo num casal amuado. É certo que corria por gosto, mas a milha longa à sua frente era incansável. Elaborou um plano. O metrónomo puxava-o pelas orelhas enquanto a vista dava passadas de sete léguas sobre referências fortes: a máquina dos sorvetes de leite, a anémona, a curva fechada, o bosque duvidoso, o fantasma do aquário, o molhe, a pérgola, o cheiro a pizza, a faixa baixa e o farol. Chegar, era meio caminho andado. Depois, na altura de voltar para trás e cumprir a volta, as coisas mudavam de figura e davam-lhe as costas. Se, por um lado, o fim estava mais próximo, por outro, mais retorcido, os marcos de passagem, antes vencidos, voltavam para o atormentar; lembravam a ansiedade do início, de corpo frio e respiração ofegante. Nessa ponta final, quando tudo endurece, apanhava ainda com o passado pela frente. E com o vento; chega a altura de falar do vento, esse de duas caras. O que pelas costas lhe dava palmadinhas e sopros nos tornozelos, e que pela frente, não contente em desfiar as redes penduradas, lhe fazia parede, bufando gravilha para os olhos e escapes livres aos ouvidos. O sujeito cambaleava, de tanto fumar coisas. Um cavalo escoiceava-lhe a virilha. É nesse preciso momento que se opera o extraordinário milagre sobre o corpo corredor. O casal abnegado reconcilia-se, respira fundo e termina fresco como uma alface. Estas, são coisas que não se podem explicar a quem não acredita.

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