20130909

Portel, Évora, Portugal

O corredor nada vigorosamente pelo mar de gente que enche a Route de Suresnes. De vez em quando uma vaga de suor bate-lhe contra o peito, travando a passada certa com que vem atravessando a cidade engalanada. Não fosse o bolso interno dos calções picar-lhe os quadríceps sempre que alça a perna direita, podia considerar-se o homem mais feliz do mundo.
Do outro lado da multidão as coisas correm bem mais devagar. Uma maratona de compras escorre lenta como lava pelas montras da Avenue Foch. A empresária abre caminho, atenta às oportunidades da capital luminosa. As mãos frias lembram-lhe o esquecimento das luvas na mesa atafulhada do ‘Le bar à Champagne’, quando saiu disparada, sem saber muito bem porquê. Assim, vai dando palmadas nos sobretudos felpudos à sua frente, abrindo caminho e ativando a circulação.
Próximo do fim do calvário o corredor tropeça e - cruzes! - quase cai redondo no chão. Valem-lhe uns reflexos ímpares e uma guinada na coxa para o espicaçar de volta à prova. À sua volta o túnel de algazarra adensa-se e os adversários rareiam. O coração apertado parece explodir ao vislumbrar o fim da provação. No entanto, sente que a prova não termina naquele traço na estrada. Sabe (o inexplicável tem destas coisas) que tem de ir mais além, se quer aliviar o coração, e a coxa.
A empresária arregalou os olhos. Por instantes pareceu-lhe ver uma oportunidade interessante, alinhada no vazio criado pela movimentação das cabeças. Por instantes apenas, logo engolida pelo ondular das gentes, que abrandava, formando uma parede ruidosa. Habituada a ultrapassar as dificuldades, aninhou-se atrás de um casal nórdico, deu um impulso, rodopiou por entre dois casacos de marta-zibelina e um polícia distraído, saltou graciosamente sobre uma grade amarela, acabando por aterrar numa imensa clareira, junto a um traço forte no chão.
Esgotando as últimas vidas, o corredor ultrapassou a própria passada num anseio poderoso de ir além daquela meta. Mas no preciso momento em que a calcava, algo de extraordinário aconteceu; uma daquelas coisas que marcam, essas sim, o final de uma provação. Através daquela massa humana que gritava, irrompeu, enérgica, a mais extraordinária criatura que jamais tinha visto. Ofegante e suado, ante tal recompensa, caiu de joelhos sentindo uma ferroada no músculo. Levou a mão ao bolso e retirou de lá um magnífico anel que brilhava quase tanto como os olhos da empresária.

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